POR - ADRIANO CODATO E FÁBIA BERLATTO
O racismo de classe explicitado nas
eleições brasileiras deste ano ultrapassou os limites da convivência
civilizada. Autorizar-se a exibir ostensivamente preconceito social,
discriminação regional, superioridade étnica em relação à categoria social dos
pobres, ao contrário do que se pensa, não é um direito autêntico da sociedade
democrática. Por quê? Porque pressupõe e defende hierarquias “naturais”,
“culturais” e, com base nelas, cria duas classes de pessoas: os politicamente
competentes e os politicamente incompetentes.
O racismo de classe funciona conforme a
mecânica perversa de todo o preconceito. Enquanto no racismo tradicional o
sentimento de superioridade é dirigido a uma etnia (“raça”) considerada
inferior, seja por razões biológicas, seja por razões históricas, o racismo de
classe se dirige a um grupo por suas características socioeconômicas e
constrói, sobre ele, toda sorte de fantasias. Os pobres são ignorantes porque
desconhecem as informações verdadeiras que nós possuímos sobre os políticos, a
economia etc. São irracionais, porque as razões que dirigem seu voto são
ilegítimas para nossas prioridades. E são incompetentes, porque, afinal, são
pobres.
Três exemplos ajudam a ilustrar o que
estamos falando. Em setembro, a Associação Comercial e Industrial de Ponta
Grossa editou um manual defendendo que os favorecidos pelo Bolsa Família
tivessem seus direitos políticos suspensos. Em outubro, publicados os resultados
do primeiro turno, o ódio “aos nordestinos” voltou mais agressivo e menos
constrangido do que em 2010. Agora, conforme a campanha eleitoral foi se
tornando mais competitiva, o delírio do anticomunismo, mais extrovertido, e as
oposições, mais confiantes, um economista de televisão pontificou no Facebook
que “quem estuda não vota na Dilma”. O esplendor dessa campanha foi atingido
por um colunista social que sugeriu trancar em casa, no dia da eleição, as
empregadas domésticas e os porteiros dos prédios para que não votassem na
situação.
Segundo o conhecimento comum, o
preconceito é filho da ignorância. O otimismo dessa sentença moral está em
acreditar que os dados objetivos e o diálogo racional funcionem como
instrumento de dissuasão e de pacificação. Ocorre que a psicologia do racismo é
alimentada pela paixão e pelo medo. Assim, pouco importa demonstrar que
beneficiários de programas sociais não votam, como autômatos, “no PT”, nem se
convertem, como fanáticos, em petralhas. Votam racionalmente e preferencialmente
na “situação”, isto é, no governo, em qualquer governo. Ou que a divisão do
voto no Brasil (agora e em 2010) não é geográfica, mas social.
As opiniões preconceituosas não são,
entretanto, apenas falta de modos civilizados ou intolerância. Elas são também
a expressão de um mal-estar maior. O que aparece como condenação ao governo de
hoje (seus feitos e malfeitos) é, na realidade, uma condenação da própria
política.
Campanhas de oposição a governos podem
ser politicamente agressivas, exibir estatísticas verdadeiras, manipular outras
informações nem tão verdadeiras, e reafirmar fanaticamente as convicções
partidárias mais delirantes. Campanhas pró-governo, idem. Mas o que não se pode
fazer, numa sociedade democrática, é advogar a ideia de que há duas classes de
pessoas: as que votam bem e as que votam mal. A ideia liberal “um homem, um
voto” até pode ser uma ficção jurídica, mas, no contexto em que vivemos, tem
sua função civilizadora.
Adriano Codato, doutor em Ciência Política pela Unicamp, é professor de
Ciência Política na UFPR, editor da Revista de Sociologia e Política (UFPR) e
da revista Paraná Eleitoral (TRE-PR) e coordenador do Observatório de elites
políticas e sociais do Brasil. Fábia Berlatto, doutoranda em Sociologia, é
professora do curso de Especialização em Sociologia Política na UFPR e
integrante do Centro de Estudos de Segurança Pública e Direitos Humanos da
mesma universidade.
Fonte Gazeta do Povo
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