Pesquisa mostra que 51% aprovam a
acolhida de estrangeiros. Mas 13% são contra e 36% fazem ressalvas
Publicado em 21/10/2014 | FELIPPE
ANÍBAL
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Os recentes casos de xenofobia, racismo
e intolerância denotam que Curitiba não pode se esquivar do debate sobre a
imigração. O fantasma assusta. Ontem, a Gazeta do Povo mostrou que, nos últimos
três meses, 13 haitianos foram espancados dentro de empresas na capital.
Pesquisa feita pela Brain Bureau Inteligência Corporativa demonstra que, apesar
de a maioria dos curitibanos ver com bons olhos a vinda de estrangeiros, o
índice de rejeição a imigrantes ainda é grande.
Crime
Haitiano é esfaqueado no centro de
Cascavel
O imigrante haitiano
Jean Naguene Mathelus, 44 anos, foi ferido por golpes de faca ontem de manhã na
Rua Paraná, no centro de Cascavel, no Oeste do estado. Os dois agressores
fugiram de bicicleta. A PM não encontrou os suspeitos. Um deles usava capuz e a
polícia não descarta a possibilidade de assalto.
Mathelus, que não
fala português, foi socorrido por uma equipe médica do Siate e encaminhado ao
Hospital Universitário do Oeste do Paraná em estado grave. Ele foi ferido no
abdome e seus órgãos ficaram expostos. Por volta das 17 horas, o hospital
informou que o haitiano passou por uma cirurgia e está internado na UTI. Ele
corre o risco de morrer.
Coordenador da
Associação dos Imigrantes Haitianos de Cascavel, Joe Evens Celintery iria se
inteirar dos fatos. Ele ressaltou que o preconceito contra os imigrantes
aumentou após a suspeita de caso de ebola em Cascavel, já descartada. A
Delegacia de Homicídios vai investigar o caso como tentativa de assassinato.
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O levantamento aponta que 51% dos
entrevistados se manifestaram favoráveis a Curitiba acolher pessoas de outros
países. Por outro lado, 36% só aprovam o fenômeno dependendo do imigrante e 13%
são contrários a qualquer tipo de imigração. E 15% acreditam que o trabalho dos
estrangeiros radicados em Curitiba prejudica a economia. Para 48%, depende: os
imigrantes podem ajudar ou atrapalhar. Só 37% consideram que os forasteiros
contribuem com a cidade por meio do trabalho.
Parte da Europa, que vive às voltas com
casos de xenofobia, tem números semelhantes aos de Curitiba. Em um referendo
realizado em fevereiro na Suíça, 50,3% da população local consideraram que o
país deveria instituir cotas de imigração. Na ocasião, nações como França e
Alemanha manifestaram preocupação com as reações que a iniciativa (ainda não
implantada) poderia causar.
No Brasil, segundo o Ministério da
Justiça, três principais fluxos migratórios convergem atualmente para a capital
paranaense com maior força: africanos, sulamericanos e, principalmente,
haitianos. Curitiba é a quarta cidade brasileira que mais recebe imigrantes do
Haiti. Estima-se que mais de 2,5 mil deles estejam vivendo na capital. De
acordo com a pesquisa, 71% dos curitibanos aprovam a vinda de haitianos. Outros
17% rejeitam a presença dos imigrantes do Haiti e 12% disseram não ter opinião
formada. A reprovação é sentida de forma velada por quem teve de deixar sua
terra e buscar uma vida melhor.
“Às vezes, a gente senta em um banco de
praça e as pessoas fazem cara feia, se levantam e vão para outro lado”, disse o
haitiano Morales Moralos, de 38 anos. “Eu vim aqui para trabalhar, para ajudar.
Mas parece que não temos direitos [trabalhistas]. E os piores trabalhos ficam
para haitianos. Se tiver um haitiano e um brasileiro, a empresa vai escolher o
brasileiro”, acrescentou Feguner Toussaint, de 30 anos. Ambos estão
desempregados.
Preconceito
O debate ocorre 140 anos depois de
Curitiba receber as primeiras levas de estrangeiros. No fim do século 19,
vieram os alemães, italianos, poloneses e ucranianos. Hoje, o fluxo migratório
envolve estrangeiros de pele negra. Para o sociólogo Lindomar Bonetti,
professor da PUCPR, a rejeição pode estrar atrelada aos laços europeus de
Curitiba e ao pensamento “branco”.
“Parece que, quanto mais desenvolvida a
região, maior é um grau de conservadorismo. É a dificuldade de compreender o
diferente e o medo de perder espaço para este. O branco se vê ameaçado do ponto
de vista cultural e da conquista dos espaços sociais.”
As vítimas à espera de Justiça
O haitiano Jean* é uma das vítimas
recentes da xenofobia. Auxiliar em uma rede de restaurantes, ele foi espancado
pelo chefe de cozinha no ambiente de trabalho e no alojamento da empresa. O
rapaz acredita que tenha sido agredido por ser negro e imigrante. “Eu acho que
quem faz isso é quem não tem um nível intelectual. Quem estudou não vai fazer
uma coisa dessas, porque sabe que julgar pela cor é errado”, diz. Enquanto
isso, aguarda Justiça.

Outro braço forte na defesa dos
estrangeiros tem sido o Ministério Público do Trabalho (MPT). Neste ano, o
órgão inspecionou quatro obras para checar se os direitos trabalhistas estavam
sendo assegurados. Em duas delas, houve irregularidades. “Havia haitianos
trabalhando sem contrato ou sem anotação na carteira”, diz o procurador Alberto
Emiliano de Oliveira Neto. “Toda essa violação de direitos sociais nos preocupa
muito. Temos de não só combater as irregularidades, mas atuar de forma
pedagógica, de forma a derrubar certos mitos e dogmas.”
Os 13 haitianos agredidos desde julho
no trabalho em Curitiba estão sendo acompanhados pelo MPT, OAB e Casa
Latino-Americana (Casla), que precisa de advogados voluntários. Cada ocorrência
gerou uma ação trabalhista e uma criminal. Ontem, uma das vítimas – um rapaz
espancado depois de ser chamado de “macaco” e “escravo” – distribuía currículos
no Centro da capital.
*nome fictício, porque o caso corre sob
segredo de Justiça.
Fonte Gazeta do Povo
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