Racismo no futebol
A credibilidade do futebol brasileiro
passa por uma aplicação racional das punições aos clubes
Publicado em 01/10/2014
·
Via Gazeta do Povo
Na noite de hoje, o Santos entra em
campo para enfrentar o Botafogo pelo jogo de ida das quartas-de-final da Copa
do Brasil, tendo superado o Grêmio nas oitavas-de-final, tanto no campo quanto
na Justiça Desportiva. A equipe paulista já tinha vencido a primeira partida,
realizada na capital gaúcha, mas, antes que houvesse o jogo de volta, o Grêmio
acabou eliminado da competição pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva
(STJD) por causa dos insultos racistas contra Aranha, o goleiro alvinegro. A
decisão da Terceira Comissão Disciplinar, tomada no início de setembro, foi
revista na sexta-feira passada pelo Pleno do tribunal, que mudou a punição para
a simples perda de três pontos (o que, dado o resultado da primeira partida,
eliminaria o Grêmio da mesma forma, levando o STJD a considerar que nem seria
necessário realizar o segundo jogo). O episódio oferece mais uma oportunidade
para discutir os problemas que envolvem as torcidas, mas também nos faz lançar
um olhar sobre os critérios usados pela Justiça Desportiva.
Parece-nos plenamente acertado que os
clubes sejam punidos pela conduta incorreta de seus torcedores, em conjunto com
a responsabilização individual pelos atos criminosos que cometerem (ontem, a
Polícia Civil do Rio Grande do Sul anunciou que quatro torcedores serão
indiciados por injúria racial). No entanto, o que se observou no caso do Grêmio
foi a absoluta falta de proporcionalidade entre delitos e punições – em
direções opostas.
Primeiro, a Terceira Comissão
Disciplinar do STJD decidiu por eliminar um time de uma competição, pena que
não foi aplicada nem mesmo em casos envolvendo homicídios em brigas de torcidas
– basta lembrar do torcedor do Sport morto após ser atingido por um vaso
sanitário no Estádio do Arruda, após jogo entre o Paraná e o Santa Cruz, no Recife,
em maio; ou do palmeirense espancado e morto em briga com corintianos em
agosto. Em nenhum dos casos houve punição às equipes. Ainda que sem mortes,
cenas de guerra como as protagonizadas por atleticanos e vascaínos no ano
passado, em Joinville, não levaram nem mesmo à retirada de pontos – os times
perderam mandos de campo, e em algumas partidas jogaram sem torcida, e só.
Depois, a revisão da pena aplicada ao
Grêmio, feita pelo Pleno do STJD na sexta-feira passada, mostrou outro absurdo:
enquanto a Portuguesa, no fim do ano passado, perdeu quatro pontos pela
escalação irregular de um atleta (no célebre caso que manteve o Fluminense na
Série A), o racismo, um crime absurdo que desumaniza uma pessoa, rendeu apenas
três pontos de punição ao Grêmio.
Para que os estádios voltem a ser um
ambiente agradável que atraia os verdadeiros torcedores, e não bandidos
escondidos sob uniformes de times ou organizadas, é preciso combinar a
indispensável responsabilização individual dos envolvidos em crimes e a devida punição
aos clubes. Mas é preciso haver uma escala coerente entre a gravidade de um ato
e a resposta dada pelo STJD. É inconcebível eliminar um clube de um torneio por
racismo enquanto times cujos torcedores matam rivais não pagam por isso; e é
igualmente inconcebível que um caso de racismo renda pena mais leve que a
causada por um erro burocrático. A credibilidade do futebol brasileiro passa
por uma aplicação racional das punições.
Nenhum comentário:
Postar um comentário