SAÚDE
A frentista haitiana Marie Pierre Ciceron ressalta a confusão geográfica: o Haiti fica na América Central e o surto de ebola está concentrado na África
Para os 2 mil estrangeiros de pele
negra que vivem em Cascavel, olhares desconfiados se intensificaram
Publicado em 13/10/2014 | FELIPPE
ANÍBAL, ENVIADO ESPECIAL
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Apesar de a suspeita de ebola ter
envolvido um imigrante da Guiné, a repercussão em torno do caso atingiu
negativamente todos os estrangeiros com pele negra que vivem em Cascavel.
Principalmente os vindos do Haiti, que estão em maior número. Discursos que
condenam a permanência dos estrangeiros ganharam corpo nos últimos dias, a
ponto de preocupar as entidades de apoio. A Associação dos Imigrantes Haitianos
de Cascavel chegou a propor que todos os membros sejam submetidos a testes,
como forma de conter o preconceito.
“Nós, os haitianos, estamos disponíveis
às autoridades de saúde, para fazer todos os exames”, disse o vice-presidente
da associação, Marcelin Geffeari, que há dois anos e oito meses vive em
Cascavel. “Depois deste caso [suspeita de ebola], parece que [o preconceito]
piorou muito. Nos preocupa”, declarou.
Prevenção
Dois dias antes de caso suspeito,
Cascavel havia feito treinamento
Luiz Carlos da Cruz, correspondente
Dois dias antes de
Cascavel notificar o primeiro caso suspeito de ebola do Brasil, um curso de
capacitação havia sido aplicado para médicos, coordenadores de unidades de
saúde e outros profissionais da área. A palestra foi coordenada pela médica
infectologista Juliana Gerhardt e a capacitação, realizada no auditório do
Senac, foi uma iniciativa da Divisão de Vigilância Epidemiológica da Secretaria
Municipal de Saúde.
Além da palestra, foi
apresentado um vídeo com os cuidados a serem tomados quando há suspeitas. A
cidade se preparava para uma simulação de atendimento, mas o caso do paciente
Soulyane Bah, 47, africano da Guiné, apareceu antes de o novo treinamento
acontecer. Para a infectologista, a ação imediata e as medidas adotadas após a
suspeita do caso não foram exageradas. Ela diz que a mobilização em torno do
caso pode ter assustado a população, mas essas são as medidas adequadas.
48 horas após o primeiro teste foi coletado sangue para o segundo exame que deve
compravar que o guineano não está com ebola.
A associação estima que hoje mais de 2
mil haitianos residam na cidade. Quase a metade trabalha em frigoríficos e em
uma cooperativa agrícola. “Depois que aconteceu [a suspeita], os brasileiros
olham com cara feia. A gente sabe que os brasileiros não gostam de gente”,
disse Joan Auguste, auxiliar de depósito.
No albergue da Sociedade Espírita
Irmandade de Jesus – onde o guineano sob suspeita de ter contraído ebola estava
hospedado –, a preocupação era evidenciada por funcionários. Outro grupo que
costuma acolher os migrantes, a Associação Mão Amiga, também destacava o
“aumento da tensão” entre moradores da cidade e os imigrantes.
“O povo já tem preconceito normalmente.
Agora, aumentou. Só o tempo vai dizer se isso vai passar”, disse a diretora do
albergue, Valdemira Bibiano da Silva. “O meu medo é com a segurança deles. Que
alguém acabe descontando neles”, acrescentou a presidente da Mão Amiga, Rosana
Cristina Anastácio.
Confusão geográfica
A haitiana Marie Pierre Ciceron, que
trabalha como frentista em um posto de combustível, ressaltou não entender a
confusão geográfica que estão fazendo – já que o Haiti, que fica na América
Central, está longe da zona de risco de ebola, que tem seu epicentro na África.
“Não tem nada a ver essa doença com o Haiti. No Haiti existe uma epidemia de
cólera, não de ebola”, disse.
“Tinha que deportar essa gente”, diz morador
No fim de semana, o assunto mais
comentado nas rodas de conversa em Cascavel, é claro, foi a suspeita de que um
imigrante radicado na cidade estivesse infectado com ebola. Por vezes, as
reações contra os estrangeiros transpareciam de forma evidente e até agressiva.
O taxista José Ribeiro disse que,
depois do caso, passou a se negar a transportar haitianos. Ele criticava a
falta de controle sanitário e defendia a expulsão dos imigrantes que estão em
Cascavel.“Eu não carrego mais [haitianos no táxi]. Com essas doenças, como que
eu vou me arriscar a levar essa gente? A gente não sabe de onde eles vêm, se
têm alguma coisa, não sabe nada”, afirmou. “Tinha que deportar essa gente,
mandar embora do Brasil”, completou.
No entorno da Unidade de Pronto
Atendimento II, onde o guineano sob suspeita de contágio foi internado, os
discursos também estavam mais acalorados. Para o jardineiro Edmar Cruz, o
governo brasileiro deveria “fechar as portas” aos haitianos. “Olha o tamanho do
transtorno que isso gerou. E se confirmassem que ele estava com ebola? Quem ia
pagar o prejuízo? A verdade é que dão mais valor a esse povo do Haiti do que a
nós, que somos brasileiros”, disse.
Colaborou Luiz Carlos da Cruz.
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