Mesmo sendo considerada como um
caminho para a reinserção de detentos à sociedade, instrumento de diminuição da
reincidência criminal e contraponto à "escola do crime", a educação
formal alcança apenas 10,2% dos presos brasileiros. Do total de 574.027 pessoas
privadas de liberdade no País, apenas 58.750 têm acesso à escolarização.
Os dados
oficiais aos quais o iG Educação teve
acesso foram fornecidos pelo Ministério da Justiça (MJ). A reportagem só teve
acesso aos números após o envio de uma série de solicitações. Foram mais de
dois meses de espera para o recebimento dos dados mais atualizados, referentes
à 2013.
O quadro de acesso à educação nas
prisões se torna ainda mais "catastrófico", segundo especialistas,
quando é analisado o perfil de escolaridade da população prisional. Quase
metade dos detentos brasileiros nem sequer têm ensino fundamental completo. E
mais de 25 mil são analfabetos. Ou seja, demanda é o que não falta, já que 90%
dos presos não terminaram a educação básica:
E esse cenário de descaso não
está presente apenas em regiões específicas, mas sim em todo o Brasil, afirma
Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
ivulgação/Campanha
Nacional pelo Direito à Educação
Cara: "além da educação, o
direito ao trabalho e à saúde também são negligenciados"
"O
problema é uma realidade presente por todos os Estados brasileiros. O sistema
carcerário acaba bloqueando o direito à cidadania dos detentos, por ele [o sistema carcerário] não compreender que o preso que
está cumprindo a pena é um cidadão com direitos. Além da educação, o direito ao
trabalho e à saúde também são negligenciados", diz Cara.
O descaso
é confirmado pela Relatoria Nacional para o Direito Humano à Educação, que fez
uma pesquisa in loco em prisões
brasileiras. "Informações e análises diversas apontam a profunda
precariedade do atendimento educacional no sistema prisional brasileiro que
enfrenta graves problemas de acesso e de qualidade marcados pela falta de
profissionais de educação, projeto pedagógico, infraestrutura, formação
continuada e materiais didáticos", conclui a pesquisa, conduzida pela
educadora Denise Carreira.
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Segundo Denise, que é
coordenadora da ONG Ação Educativa, a oferta de educação nas prisões ainda
enfrenta resistências de agentes e direções de unidades prisionais. "Ainda
há problemas de desarticulação entre organismos do Estado, falta de planejamento,
baixo investimento financeiro e inexistência de diagnósticos precisos",
diz o estudo publicado em 2009.
Para tentar melhorar essa
situação, foram produzidas, em 2010, as diretrizes nacionais para a oferta de
educação nas prisões pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
"Antes, a Lei de Execução
Penal de 1984 era abrangente. Assim, cada Estado organizava ou não a educação
nas prisões, conforme preferência e vontade política do gestor. Era comum
presos com mais instrução, mas sem formação para a docência, ensinarem para os
colegas sem escolarização", afirma a professora da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp), Mariângela Graciano, especialista no tema.
Divulgação/ALSP
Para Mariângela, apenas a partir de
2006 o cenário sobre a questão teve mais destaque
Desafios
Para Mariângela, a oferta de
educação nas prisões precisa enfrentar alguns desafios. "As pesquisas
mostram que as pessoas presas demostram interesse em estudar. O problema é que,
muitas vezes, o horário do estudo coincide com trabalho. Muitos presos precisam
trabalhar nas prisões para sustentar suas famílias que estão do lado de
fora", comenta a pesquisadora da Unifesp.
Segundo a especialista, para que
os presos possam ter acesso ao ensino noturno será preciso propor uma mudança
de organização nas unidades prisionais. "Esse é um grande entrave. Por
razões de segurança, muitas penitenciárias acabam não oferecendo o ensino
noturno. Mas as diretrizes do CNE preveem o oferecimento do ensino à noite,
aliado com o ensino profissionalizante", fala Mariângela .
"A
questão é que mesmo havendo normativos nesse sentido, não significa que eles
são cumpridos. A história da educação nas prisões só está começando agora.
Basta lembrar que até 2006 [ano de início das discussões
sobre o tema junto à sociedade civil], o governo nacional não tinha
tomado nenhuma atitude para organizar a educação nas prisões. Eram os grupos
religiosos que ofertavam cursos de alfabetização", diz a pesquisadora.
Muitos presos interessados nos
estudos, veem na educação ofertada na prisão uma forma até de preenchimento do
tempo livre. Sem falar que a atividade educacional funciona como instrumento de
remição da pena. Três dias estudados (cerca de 18 horas), equivalem a um dia
remido na pena.
"Se considerarmos que o
aprisionado fica pouco mais que oito horas fora da tranca, uma série de
atividades pode ser planejada, e as horas de isolamento podem ser
ressignificadas como horas de construção de uma comunidade de
aprendizagem", diz estudo produzido pelos pesquisadores Elenice Onofre, da
Universidade Federal de São Carlos, e Elionaldo Julião, do programa de
pós-graduação da Universidade Federal Fluminense.
Juarez
Silveira/Seed-SE
Para Lima, situação advém de
"grande" preconceito que a sociedade tem com o preso
Atuação
articulada
Segundo o Conselho Nacional de
Educação (CNE), para melhorar o quadro de baixa oferta de educação nas prisões,
o Estado precisa atuar de forma articulada.
"Cabe às secretarias
estaduais de educação tomarem a iniciativa de procurar as secretarias de
justiça e os órgãos estatais responsáveis pelos sistemas prisionais. O preso
deve ter o seu direito à educação assegurado pelo Estado. Os familiares
insatisfeitos com a falta de escola na prisões devem procurar o Ministério
Público", fala José Fernandes de Lima , presidente do CNE.
Ministério
da Justiça
Consultado pela reportagem sobre o quadro de acesso
à educação nas prisões, o Ministério da Justiça não se posicionou. O ministério
possui uma coordenação de Reintegração Social e Ensino que é vinculada à
Diretoria de Políticas Penitenciárias da pasta. Foram feitas mais de dez
solicitações em dias diferentes, mas sem sucesso.
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