Se a característica comum das
constituições modernas é elevar os direitos sociais à característica de
direitos constitucionais, a brasileira deu um passo adiante ao criar garantias
de efetivação desses direitos. Essa característica faz da Constituição Federal brasileira
de 1988 uma das mais avançadas do mundo, segundo análise do jurista italiano Luigi
Ferrajoli, grande estudioso de Direito Constitucional e o principal
responsável pelo desenvolvimento da chamada teoria do garantismo penal.
Em palestra feita na noite da terça-feira (15/10) na sede do Instituto
Brasiliense de Direito Público (IDP), Ferrajoli classifica o momento
constitucional em que os Estados ocidentais vivem como "constitucionalismo
da terceira geração". É justamente a geração que transformou os direitos
sociais em direitos fundamentais. "Se as constituições do século XIX, dos
Estados liberais, eram um freio ao poder do Estado, as constituições atuais são
um passo à frente. São textos que criam, além de limites para ao poder estatal,
obrigações políticas em relação aos cidadãos", resumiu o jurista.
Ferrajoli avisou que não analisaria princípios constitucionais
brasileiros para uma plateia de estudantes brasileiros de Direito. “Falarei do
ponto de vista de um europeu.” E dessa forma definiu as três gerações
constitucionais. A primeira é a dos estados liberais do século XIX e tem como
momento fundador a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, assinada na
França em 1789, ainda no contexto da Revolução Francesa.
Só que esse tipo de texto constitucional funcionava mais como pacto
social para garantir que os poderes do Estado não seriam absolutos, já que
todos os homens e cidadãos agora tinham direitos. A segunda geração, segundo o
jurista, surge a partir da segunda metade do século XIX, mas ainda não como
princípios fundamentais positivados. Funcionavam como leis ordinárias, e,
portanto, estavam no mesmo patamar das demais leis. Era o que Ferrajoli chamou
de época do poder dos parlamentos, em que todo poder estava nas mãos da
maioria.
E, na leitura do professor italiano, foi essa construção social que
permitiu o surgimento dos regimes totalitários no início do século XX. “O
fascismo destroçou a democracia, mas não se pode dizer que foi um golpe de
Estado. A Constituição não era rígida, era uma lei ordinária”, analisou.
Hoje, ainda segundo o que Ferrajoli explicou na palestra, vive-se o
chamado constitucionalismo da terceira geração. Com o fim das ditaduras que
acabaram com as liberdades individuais e relativizaram até mesmo o direito à
vida, os direitos fundamentais e sociais foram elevados ao patamar de direitos
constitucionais.
E as constituições passaram a estar acima das leis, funcionando como
régua para a atuação dos Estados. Nesse sentido é que são “um passo à frente”
ao Estado. “Os direitos fundamentais são de todos e de cada um, e não da
maioria. São direitos pré-políticos, e portanto não estão à disposição da
maioria para que decidam sobre eles.”
O garantismo e a política
Segundo o professor explicou à revista Consultor Jurídico, essa é a base da teoria do garantismo penal. Segundo ele, mais do que uma teoria do Direito, o garantismo é uma construção que faz parte da filosofia política. “A garantia de uma ação penal contra arbitrariedades é o direito do mais fraco diante do Estado, porque sem as garantias, o direito perece. Se os direitos não são garantidos, são construções de retórica”, resume.
Segundo o professor explicou à revista Consultor Jurídico, essa é a base da teoria do garantismo penal. Segundo ele, mais do que uma teoria do Direito, o garantismo é uma construção que faz parte da filosofia política. “A garantia de uma ação penal contra arbitrariedades é o direito do mais fraco diante do Estado, porque sem as garantias, o direito perece. Se os direitos não são garantidos, são construções de retórica”, resume.
Ferrajoli lembra que sua teoria se desenvolveu na esfera penal porque
essa é “a forma mais terrível e mais violenta de ação estatal”.
O livro em que explica sua tese pela
primeira vez, Direito e Razão, a Teoria do Garantismo Penal, foi
publicado na Itália em 1989. O contexto do desenvolvimento dessa teoria, conta,
foram as décadas de 1970 e 1980. Os governos europeus desenvolviam políticas
que reduziam direitos sob o pretexto do antiterrorismo. Na Itália, eram uma
resposta à Máfia.
“Era uma época em que o Estado de Direito se encontrava num momento de
difícil. E por isso a teoria se desenvolveu no âmbito penal”, lembra. Mas
ressalva que o modelo pode se estender a todos os poderes. “É mais que uma
filosofia política. É um instrumento de garantias de vida”, defende.
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