quarta-feira, 18 de junho de 2014

Ministra Cristina Peduzzi fala sobre assédio sexual e assédio moral


Como podem ser identificados os assédios moral e sexual nas relações de trabalho?


Ministra Peduzzi - Todos nós sabemos que há uma dificuldade probatória maior no assédio sexual por que as pessoas que o praticam têm consciência do objetivo e por isso tomam cautela e ele é realizado entre quatro paredes. Pode se caracterizar por palavras, olhares, desde que induzam ao sexo. Então é realmente bem mais difícil, tanto que a prova do assédio sexual, eu digo, tem que ser construída de alguma forma. Ele ocorre num nível vertical, de um superior em relação a um inferior e o objetivo é ou garantir o emprego ou uma promoção ou um benefício. A vítima deve se munir de todas as cautelas, deixar alguém escutando.
A vítima pode gravar uma ligação telefônica, mas não pode fazer escuta telefônica, isso é prova ilícita (colocar dispositivo para obter cópia de uma conversa de terceiros). Mas se receber um telefonema do agressor e o gravar, isso serve como prova, não é prova ilícita. Já no assédio moral, a prova não é tão difícil de ser construída, pois ao contrário do assédio sexual, ele se constitui necessariamente de atividades continuadas, sendo que o percentual desse tipo de assédio, em sua maioria, é de mulheres. Atinge uma esfera exclusivamente moral, psíquica, e, embora seja difícil ser provado, como é uma repetição de atos praticados no ambiente de trabalho, eu diria, é muito simples qualquer colega poder comprová-lo.
Embora o assédio no trabalho seja tão antigo quanto o próprio trabalho, a partir de quando passou a ser identificado como algo destrutivo?
Ministra Peduzzi - Os primeiros estudos sobre o tema ocorrerem na década de 1980 e foram realizados pelo psicólogo alemão Heinz Leymann, quando, ao estudar na Suíça, nas grandes organizações o comportamento dos empregados, identificou esse fenômeno (a fragilidade da autoestima em relação a determinados empregados e que afetava a produtividade). Então é um instituto que não é exclusivo do campo do Direito, também tem a ver com a medicina, especialmente com a medicina do trabalho, porque ocorre no ambiente de trabalho e afeta a produtividade e a saúde psicológica do empregado, que começa a não querer trabalhar porque está sendo rejeitado. O assédio pode ser um ato concreto ou uma omissão, quando se despreza o empregado, sem lhe passar atribuições. Ele chega no local de trabalho e fica desestimulado, sentindo-se improdutivo, ignorante, porque ninguém lhe dá atribuições. Também pode ocorrer quando se passa atribuições desnecessárias e estranhas ao contratado.
Por isso é que são atos que, à primeira vista, individualmente considerados, podem não ter uma grande repercussão, mas, na soma, afetam a saúde psíquica do empregado e ele começa a ficar desmotivado e isso irá causar danos ao seu comportamento profissional amanhã e em outra área, com outro empregador. A doutrina fixou o prazo, inicialmente de seis meses, como suficiente para caracterizar o assédio moral, mas eu já vi que a jurisprudência é muito flexível em relação a isso. Pode ser um prazo até um pouco menor, mas tem que haver uma continuidade, não é um ato isolado. Pode, ainda, existir um ato sujeito à reparação, que produz dano moral e que não é assédio moral, como, por exemplo, as revistas íntimas, que não entendo ser assédio moral, embora muitos a classifiquem como tal. Hoje o Tribunal admite revistas por segurança, à exceção da revista íntima em que há invasão de intimidade.
O assédio sexual, na maioria dos casos, ocorre entre os desiguais. Por quê?
Ministra Peduzzi - Porque o assédio sexual, como tem natureza vertical descendente, sempre ocorrerá de um superior em relação a um subordinado e acontecerá num ambiente de trabalho, por ter a ver com ele e significar exatamente uma moeda de troca, por isso o constrangimento. Se acontecer com um colega de trabalho, o empregado pode não aceitar, mas se depender daquele emprego para manter a família, irá pensar duas vezes em romper o vínculo. Então o assédio sexual sempre ocorrerá entre desiguais, do ponto de vista hierárquico. Em matéria de gênero, a maioria das vítimas é de mulheres, mas pode ocorrer de uma mulher em relação a um homem ou entre pessoas do mesmo sexo. O que o tipo penal identifica é a superioridade hierárquica do agressor, que é o que justamente causa o constrangimento e identifica o assédio sexual.


O assédio pode ocorrer entre dois colegas e ainda entre subordinado e superior. Nas ações dirigidas à Justiça do Trabalho, qual é o mais comum?
Ministra Peduzzi - O mais comum é o do superior hierárquico em relação ao subordinado, até porque é ele quem tem o poder. Por que veja, o assédio sexual tem como finalidade obter vantagem, mas o objetivo no assédio moral é desestabilizar a pessoa, fragilizando e levando-a a pedir demissão, ou aderir ao PDV, ou requerer aposentadoria ou uma transferência. Então o objetivo é desestabilizar para pôr fim ao vínculo. Isso é a construção, porque ainda não existe a tipificação, mas essas foram as características que a doutrina e a jurisprudência desenvolveram. Foi muito comum o empregado que não queria aderir ao PDV e colocar fim ao contrato, sendo mais fácil desprezá-lo do que lhe dizer que havia perdido o emprego.
Ou seja, se a pessoa não é instruída, ela diz, deixa para lá, até que se canse e peça para ir embora, arrume outro emprego. Isso ocorre muito, um representante qualquer, principalmente em grandes organizações. Quando se estudou o instituto, o fenômeno, aí se estabeleceu a necessidade de haver um mecanismo de prevenção. Hoje, o que é mais estudado em relação ao assédio moral é o mecanismo de prevenção e de esclarecimento, a fim de evitá-lo, porque o artigo 932, inciso II do Código Civil é expresso – a empresa responde pelos atos de seus representantes e prepostos - o empregador também pode responder financeiramente. Pelo ilícito civil, responde a empresa, independente do nível hierárquico do empregado que praticou o assédio moral.
Existe algum dispositivo preveja punição para a prática dos assédios moral e sexual?
Ministra Peduzzi - Dependendo do caso, o empregado poderá requerer a despedida indireta, cujos consectários seriam o recebimento de todas as verbas trabalhistas decorrentes, equiparada a uma despedida imotivada. No mais, são ilícitos civis trabalhistas, aplicando-se aí o Código Civil, segundo o qual a reparação do dano moral é proporcional ao dano. Na hipótese de haver danos materiais, o Código Civil prevê a indenização, ao definir o valor do dano moral, são os lucros cessantes e os danos emergentes. O dano material é acumulável com a indenização pelo dano moral, dispondo, ainda, o artigo 950, parágrafo único do Código Civil, que se a pessoa teve um decréscimo na sua capacidade de trabalho ou teve que cessá-lo, ainda há a possibilidade de requerer pensão.
Há um panorama dos casos de assédio sexual envolvendo as mulheres?
Ministra Peduzzi - O número de casos judiciais de assédio sexual é muito pequeno. De acordo com estatística da Organização Internacional do Trabalho, em 2000, 52% das mulheres tinham sido assediadas, mas posso assegurar que hoje esse índice deve ser bem inferior. Primeiro porque é crime, depois por causa das campanhas de esclarecimento e também pela segurança que a mulher tem hoje no mercado de trabalho, por representar 50% da força de trabalho. Mas o número de casos ajuizados é bem pequeno. Aqui no Tribunal se julguei dois ou três casos nos últimos anos foram muitos, até pela dificuldade da prova. Já assédio moral, são muitos, cada dia mais.
http://www.tst.jus.br/image/image_gallery?uuid=94e2d876-03c0-4eae-ba41-7f8fc8e666c5&groupId=10157&t=1351911735159Por que no Brasil o assédio sexual lé crime, conforme a Lei n° 10.224/2001?
Ministra Peduzzi - Porque não há necessidade, haja vista a legislação trabalhista prever especificamente no artigo 483 da CLT (elenca as faltas graves patronais) que o empregador não pode praticar qualquer ato que atente contra a honra e boa fama do empregado. Então já está tipificado no artigo 483 como ilícito trabalhista e, assim, já é um ilícito trabalhista pela própria previsão existente no referido artigo e o que se fez foi forçar realmente a redução da prática com a tipificação como crime. E reduziu mesmo. Na prática do ilícito civil quem responde pela reparação é o empregador, mas no penal é quem o praticou.
Políticas para conscientizar sobre o problema inibem a prática?
Ministra Peduzzi - Sem dúvida. Com a descoberta desses atos aparentemente inofensivos, como produtores de efeitos maléficos no ambiente de trabalho para o trabalhador nas décadas de 1980 e 1990, começou a se identificar o instituto e as primeiras ações já foram ajuizadas em 2000. Ela é um instrumento da maior importância e eficiência, por esclarecer o empregador, do pequeno ao grande e também o empregado, que, uma vez esclarecido, poderá reagir e impedir que a prática seja uma constante.
(Lourdes Cortes/RA)
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