LEGISLATIVO
Via Gazeta do Povo
Publicado em 02/06/2014 | CHICO MARÉS
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A maior parte da
produção da Câmara de Vereadores de Curitiba sequer chega ao plenário. Somente
na atual legislatura, 110 projetos já foram barrados pela Comissão de
Legislação e Justiça (CLJ) – a maioria por vício de iniciativa. Outros 163
projetos de lei dos vereadores foram sancionados, mas apenas 25 podem ser
considerados “relevantes” – os outros são datas comemorativas, nomes de rua e
títulos de cidadão honorário, vulto emérito e utilidade pública. Em comparação,
a Câmara aprovou 61 projetos de autoria do prefeito Gustavo Fruet (PDT).
Vício
de iniciativa é um problema nacional
O sistema político brasileiro ajuda a explicar o alto número de projetos
vetados pela Comissão de Legislação e Justiça. Para o sociólogo Julio Roberto
de Souza Pinto, professor do mestrado profissional da Câmara Federal, o excesso
de projetos barrados não é uma peculiaridade da Câmara de Curitiba. Como os
parlamentares brasileiros são livres para apresentar proposições
individualmente – ao contrário de outros países, como a Espanha, onde a
iniciativa deve partir de bancadas –, o número de propostas tende a ser
exagerado.
Para evitar uma “inflação legislativa”, que causasse insegurança
jurídica e até a inviabilização das votações no parlamento, são necessários
filtros políticos para que apenas propostas politicamente viáveis se tornem
leis. As comissões acabam fazendo esse papel. Esse fenômeno ocorre também nas
assembleias e no próprio Congresso.
Outra questão natural das instituições brasileiras que dificulta a
produção legislativa dos vereadores (e também de deputados e senadores) é o
alto número de matérias consideradas de competência exclusiva do poder
Executivo. Para Souza Pinto, isso dificulta a atuação da Câmara como uma
legisladora, mas possibilita que ela exista como instância de controle do Poder
Executivo pela sociedade.
A CLJ é a principal
comissão da Câmara, e tem como principal função analisar se as propostas
apresentadas pelos vereadores são constitucionais. Antes de chegar ao plenário,
todos os projetos de lei têm de, obrigatoriamente, ser aprovados pela comissão
– que pode também arquivar ou devolver o projeto ao autor, para que ele corrija
eventuais equívocos.
Das propostas barradas,
a maioria foi arquivada por vício de iniciativa – quando a proposta tem de ser
obrigatoriamente apresentada ou pelo Executivo (68 casos) ou são privativas do
estado ou da União (28 casos). Vinte projetos foram barrados por já existirem
leis similares, enquanto 16 foram considerados inconstitucionais por
interferirem na livre iniciativa privada. Várias dessas propostas foram
barradas por mais de um motivo.
Presidente da CLJ, o
vereador Pier Petruzzielo (PTB) considera que muitos vereadores, por pressa em
satisfazer uma determinada parcela de seu eleitorado, apresenta matérias que
fogem de sua competência. “A ansiedade acaba fazendo com que esses projetos
venham de forma equivocada, e eu não posso deixar tramitar um projeto que vai
ser vetado por inconstitucionalidade pelo prefeito”, afirma.
Pier diz que, para
tentar reduzir o número de projetos vetados, tem conversado pessoalmente com
alguns vereadores para que evitem apresentar projetos que fujam de sua
competência. Um exemplo é o do vereador Dirceu Moreira (PSL), que apresentou
seis projetos disciplinando a carreira de enfermeiros – todos eles barrados por
vício de iniciativa.
O vereador considera que
a instalação da Escola Legislativa, que está sendo implementada atualmente,
pode ajudar os parlamentares a restringirem o número de projetos inconstitucionais
apresentados. Ainda assim, ele considera que o “bom senso” seria a melhor forma
de resolver o problema.
Excesso de rigor
Nem todos os vereadores,
entretanto, concordam com os critérios utilizados pela CLJ. Para Jorge Bernardi
(PDT), o alto número de projetos barrados se deve mais a um excesso de rigor do
que, de fato, à inconstitucionalidade dos projetos. Em seu entendimento, a
comissão deveria barrar apenas projetos “flagrantemente inconstitucionais”, e
deixar tramitar os que ficam em uma zona cinzenta.
Ele diz, entretanto, que
isso melhorou do ano passado para agora.
Renovação não é desculpa
A renovação que a Câmara
de Curitiba teve nas eleições de 2012 poderia servir como explicação para o
alto número de projetos inconstitucionais apresentados. Entretanto, os números
dizem exatamente o contrário. Dos 110 projetos barrados, apenas 29 partiram de
vereadores novatos. Os três vereadores com mais projetos barrados são
“veteranos” na Câmara: Dirceu Moreira (PSL, 31 propostas) e Professor Galdino
(PSDB, 13 propostas) estão na Casa desde 2009, enquanto Jorge Bernardi (PDT,
oito propostas) está em seu sétimo mandato.
Para o sociólogo Julio
Roberto de Souza Pinto, professor do mestrado profissional da Câmara Federal,
parlamentares têm o costume de apresentar projetos sem considerar a viabilidade
técnica e política. Assim, aparecem em estatísticas como “produtivos”, o que
tem apelo eleitoral. Muitas vezes, entretanto, isso ocorre por ingenuidade ou
falta de conhecimento das limitações.
Presidente da Comissão
de Legislação e Justiça (CLJ), Pier Petruzzielo (PTB) admite que há competição
entre os vereadores sobre quem apresenta mais projetos.
Os mais barrados
“Campeão” de projetos
barrados, Moreira acredita que a comissão, às vezes, exagera no rigor, mas que
também há uma “ânsia de apresentar bons projetos” que faz com que vereadores
apresentem projetos fora de sua alçada. O vereador diz ter reapresentado seus
projetos barrados como sugestão ao Executivo. Já Galdino diz que seus projetos
são barrados mais por motivos pessoais e políticos do que jurídicos. Ele diz
que, por comprar inúmeras brigas com a maioria dos vereadores, seus projetos
sofrem boicote.
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