Esporte como “nova modalidade” do
tráfico internacional de pessoas será debatido em Simpósio Internacional
27/05/2014
- 11h51
A quarta edição do Simpósio Internacional para o
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, realizado pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), nesta quinta e sexta-feira (29 e 30/5), no Rio de
Janeiro/RJ, vai debater as várias formas desse tipo de crime entre os agentes
que lidam com a problemática cotidianamente. O tráfico “desportivo”, como é
chamado por quem atua no enfrentamento ao problema, vem chamando a atenção das
autoridades internacionais, sobretudo, no Brasil, onde o futebol movimenta
bilhões anualmente por meio de compra e venda de atletas.
Para abordar o assunto, o
Simpósio terá a participação da procuradora do Ministério Público do Trabalho
(MPT) do Paraná, Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes, que é coordenadora do Grupo
de Trabalho para avaliar e estudar estratégias de atuação a respeito do trabalho
dos migrantes. Ela também é coautora do Projeto Nacional de Enfrentamento da
Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes nos Esportes: Atletas da Copa
e das Olimpíadas, da Coordinfância/MPT. Ela participará do evento no dia 29/5,
no painel Múltiplas Dimensões do Tráfico de Pessoas: Modalidades de Exploração,
Fluxos e Rotas do Tráfico.
A procuradora destaca que o fato
do Brasil ter a fama de possuir o melhor futebol do mundo tem permitido que
criminosos se aproveitem dessa condição e consigam atrair para cá crianças e
adolescentes de vários países, como China e Japão, iludidos pela vontade de
serem descobertos por um grande time brasileiro e, em seguida, despontarem para
o cenário internacional. O sonho também é alimentado por muitos brasileirinhos
que têm caído nesses golpes com cada vez mais frequência.
Abaixo, leia íntegra da
entrevista com a procuradora do MPT Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes sobre o
tráfico “desportivo” como modalidade de tráfico internacional de pessoas.

O trânsito internacional de
atletas é uma realidade há tempos, principalmente, no futebol. Mas, atualmente,
essa internacionalização de atletas movimenta cifras bilionárias, a ponto de
muitos especialistas em futebol afirmarem que o novo "modelo"
brasileiro não é o de formação de atletas para obtenção de resultados medidos
em qualidade desportiva, e sim, para serem comercializados no mercado
internacional. Esse é o sonho da maioria dos atletas: ser vendido para o
exterior. No entanto, em alguns casos investigados pelo Ministério Público do
Trabalho, adolescentes foram atraídos para jogar futebol no Brasil mediante
engano. Pensavam que iriam treinar em um local adequado, junto a um clube
regularmente constituído e que a oportunidade lhes abriria portas
profissionais. Nada mais equivocado.
E como
esses casos vêm sendo tratados pelas autoridades brasileiras?
Tivemos no Paraná o caso de um clube
que não existia, o Esporte Clube Piraquara. Um site divulgava fotos de um suposto
"centro de treinamento" que não era deles. Quando os garotos
estrangeiros chegavam, os passaportes dos atletas eram recolhidos pelo
representante do suposto clube para ficarem "bem guardados", o
dinheiro mandado pelos pais era sacado pelos treinadores, que não repassavam
nada aos atletas. Aqui, esses meninos não estudavam, estando integralmente à
disposição para treinamentos desportivos, nos quais jogavam com os times de
bairro. Esses adolescentes eram de nacionalidade sul-coreana, não falavam
português nem inglês. Se formos ler a definição de tráfico de pessoas que
consta do artigo 3º do Protocolo de Palermo, não teria dúvidas em afirmar: é
tráfico! No entanto, é preciso mais para que essa situação seja identificada
como tráfico, é preciso abrir os olhos das autoridades, que não estão
acostumadas a gerir esse tipo de situação. Concretamente, no caso de Piraquara,
não houve interesse em instaurar qualquer inquérito criminal. Outro caso
emblemático ocorreu na região de Campinas, onde não houve possibilidade de
inserir os adolescentes resgatados em qualquer programa de resgate a vítimas de
tráfico de pessoas. Eles haviam, inclusive, sofrido violência física por não
desempenharem direito os treinamentos e mesmo assim, após o resgate, acabaram
ficando hospedados em um hotel, ao alcance dos "treinadores", tendo o
Conselho Tutelar relatado ao MPT tentativas de aproximação.
Há algum
outro esporte no qual o tráfico de pessoas venha agindo?
O futebol é o único efetivamente
mercantilizado no Brasil e no mundo.
Como o
MPT vem lidando com a questão?
O MPT vem procurando se informar
sobre todos os vistos concedidos a título de "prática intensiva de
treinamento na área desportiva", previsto na Resolução n. 86/2010 do
Conselho Nacional de Imigração, obtendo a relação correspondente do Ministério
de Relações Exteriores. Com isso, programou força-tarefa na região de Ribeirão
Preto, por exemplo, onde havia centenas de atletas em treinamento, provenientes
de países como China e Cazaquistão. No entanto, não havia sido esclarecido
anteriormente que esses atletas estavam no Brasil a título de uma espécie de
intercâmbio internacional, com a participação e ciência do Ministério dos
Esportes e da Agência Brasileira de Cooperação. Nesse caso, o tráfico não se confirmou
e os atletas estavam usufruindo de um programa autêntico, com inegáveis
benefícios e acompanhamento escolar de qualidade. Mesmo assim, novos casos
foram aparecendo, e se descobriu que atualmente está sendo utilizado o visto de
estudante para realização de tais práticas, ao arrepio de sua finalidade legal,
já que a escola indicada para obtenção do visto não é responsável pelo
programa. O aliciador simplesmente pede uma declaração de escola pública a
respeito da existência de vagas e com isso tramita o pedido, notadamente em
países como Coreia do Sul e Japão, que, nem sequer, adotam o mesmo alfabeto que
o brasileiro, dificultando assim a compreensão da realidade. É mais difícil
interceder sobre os vistos de estudante, cuja quantidade é exponencialmente
maior que os vistos da Resolução n. 86.
Como o
MPT vem trabalhando no enfrentamento dessa questão?
Estamos trabalhando para
reformulação dos procedimentos para obtenção de vistos, de forma a melhorar os
controles sobre a entrada de adolescentes para treinar futebol, visando que
eles não sejam enganados e tenham uma experiência proveitosa.
Como o
país deve se preparar para enfrentar esse problema?
Defendemos que o tráfico
desportivo seja alçado à ordem do dia. Uma definição criminal seria
conveniente, pois o Protocolo de Palermo não constitui um instrumento que vise
assegurar direitos humanos, mas apenas um documento acessório à Convenção para
Repressão do Crime Internacional. No entanto, uma definição criminal não é
absolutamente necessária para afrontamento a essas práticas. Trazer ao debate e
à incorporação do tráfico desportivo nas Políticas Públicas, entre elas a
Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, já asseguraria alguns
instrumentos para viabilizar o encaminhamento adequado de casos práticos,
especialmente, por exemplo, a proteção imediata das vítimas, assim que
resgatadas de seus "cativeiros" e, enquanto não procedida a
repatriação. É importante observar que o lugar de adolescentes em fase de
formação educacional é junto aos seus pais e a formação realizada no Brasil não
tem finalidade migratória.
Serviço:
IV
Simpósio Internacional para Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
Data: 29 e 30/5
Local: Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, Rio de Janeiro/RJ
Horário: das 9h às 18h30
Veja a programação.
O evento é voltado para magistrados, membros do Ministério Público, representantes do Ministério da Justiça, advogados públicos (Defensoria Pública da União, dos estados e da Advocacia-Geral da União), auditores fiscais do Trabalho, polícias judiciária e administrativa, secretarias de Educação e da Saúde e Rede de Atendimento às Vítimas. Clique aqui para mais informações.
Data: 29 e 30/5
Local: Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, Rio de Janeiro/RJ
Horário: das 9h às 18h30
Veja a programação.
O evento é voltado para magistrados, membros do Ministério Público, representantes do Ministério da Justiça, advogados públicos (Defensoria Pública da União, dos estados e da Advocacia-Geral da União), auditores fiscais do Trabalho, polícias judiciária e administrativa, secretarias de Educação e da Saúde e Rede de Atendimento às Vítimas. Clique aqui para mais informações.
Waleiska Fernandes
Agência CNJ de Notícias
Agência CNJ de Notícias
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