Candidatos
dizem ter R$ 5 mi em dinheiro vivo
Pequenas
fortunas guardadas em casa poderiam servir para fazer caixa dois, dizem
especialistas. Deputado admite que valor é “ficcional”
21/07/2014 00:13Joana Neitsch e
Paulo Galvez da Silva, especial para a Gazeta do Povo
Num mundo em que dificilmente as pessoas ainda guardam dinheiro debaixo
do colchão, vários candidatos a cargos públicos declararam à Justiça Eleitoral
que mantêm pequenas fortunas dentro de casa, em espécie. Considerando apenas as
rubricas “dinheiro em espécie” e “dinheiro em domicílio”, os postulantes às
eleições deste ano no Paraná registraram a soma de R$ 5.685.546,17. O valor
pode ser bem maior se forem levados em conta outros termos utilizados no
preenchimento das declarações e que também dão a entender que o dinheiro está
nas mãos do político
A reportagem da Gazeta do Povo entrou em contato com alguns candidatos
que afirmaram ter dinheiro vivo em casa e ouviu de pelo menos um deputado
estadual que o registro, na verdade, tem caráter ficcional, e serviria para
justificar futuras despesas de campanha. Segundo especialistas, o registro de
dinheiro que ainda não está sob a posse do político não é lícito -- mais do que
isso, pode facilitar a prática de crimes eleitorais, como o caixa dois.
Dos candidatos a deputado estadual, Sidnei Trevizan (PSDC) foi o que
declarou ter mais dinheiro em espécie, R$ 427 mil. No total, os que pleiteiam a
esse cargo afirmaram ter R$ 2.211.153,17 em dinheiro vivo. Entre os candidatos
a deputado federal, destaca-se a declaração de Luiz Nishimori (PR), que diz ter
R$ 800 mil em espécie. Ao todo, os candidatos para esse cargo teriam R$
3.101.553,00 em espécie.
Reserva
Em entrevista à reportagem da Gazeta do Povo, o deputado Caíto Quintana
(PMDB), candidato à reeleição, diz não ter o valor de R$ 500 mil que aparece
como “disponibilidade”, mas afirma ter colocado o valor na declaração de bens
para depois prestar contas do dinheiro que vai entrar. “Por que eu pus? Para
que tenha dinheiro para justificar despesa de campanha. Acontece que eu não
tenho R$ 500 mil. E se vierem me questionar de onde veio esse dinheiro, não
veio, porque não existe’”, disse o deputado. Ele afirma ter passado seus dados
para o partido, que repassou as informações para o Tribunal Regional Eleitoral
(TRE).
O advogado do PMDB Luiz Fernando Delazari diz que cada candidato é
responsável por sua declaração de bens e que o partido não dá orientações a
eles sobre o assunto. Segundo o TRE, os candidatos têm de informar seus bens de
acordo com a declaração de renda feita à Receita Federal no último exercício.
Para o advogado especialista em direito eleitoral Fernando Knoerr,
embora não seja comum se manter dinheiro em casa por questões de segurança, não
há ilicitude em se manter quantias elevadas em espécie. “Não é lícito, contudo,
declarar-se o que ainda não se tem”, explica o advogado.
Paulo Valério, membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-PR diz que
é melhor que os valores sejam declarados do que não apareçam nas contas. Mas se
forem utilizados para justificar futuras doações podem atrapalhar na análise de
quem está doando.
Dúvidas
Valor guardado em casa pode ir a R$ 22 milhões
A reportagem Gazeta do Povo optou por relacionar como dinheiro vivo
apenas as quantias apresentadas pelos candidatos explicitamente dessa forma.
Itens como “disponibilidade”, “dinheiro em caixa”, “recursos em poder do
candidato”, dentre outros, não foram considerados para o cálculo. Por meio da
assessoria de comunicação, a Receita Federal, em Brasília, informou, porém, que
“as descrições que não estiverem relacionadas com contas bancárias podem ser
consideradas como dinheiro em espécie”. Nesse caso, o valor total de dinheiro
vivo dos candidatos do Paraná sobe para R$ 22.742.967,61. Só o candidato a
deputado federal Paulo Rink, por exemplo, tem R$ 900 mil declarados como
“dinheiro em poder”.
“Ter dinheiro em casa não é ilícito por si só. Mas é um meio facilitador
para o caixa 2 ou outros ilícitos”, ressalta o procurador regional eleitoral no
Paraná Alessandro José Fernandes de Oliveira. Ele considera grave que um
partido oriente seus candidatos a declarar o que ainda não têm. Além de caixa
2, o procurador acredita que esse tipo de atitude pode ser usada para
justificar doações que são vedadas pela legislação, como a de concessionárias
de serviços públicos.
A Procuradoria Regional Eleitoral do Paraná (PRE) está desenvolvendo um
sistema para cruzar os dados da Receita Federal com a evolução patrimonial dos
candidatos. Quem tiver ganhos acima do compatível com a função exercida nos
anos anteriores vai cair numa espécie de malha fina do Ministério Público
Eleitoral. “Com esse alerta, será possível iniciar uma investigação mais
profunda”, conclui Oliveira. O sistema deve funcionar a partir de 2016. (JN e PGS)
Colaboraram: Chico Marés, Laura Beal Bordin e Talita Boros Voitch.
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