Captação
ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico – conceitos e distinções
Renata
Dallposso1
A captação ilícita de sufrágio e o abuso do poder econômico, apesar de semelhantes, não se confundem. Ambos constituem ilícitos eleitorais que acarretam a cassação do registro ou do diploma do candidato em virtude do emprego de vantagens ou promessas a eleitores em troca de votos, apresentando, todavia, cada qual as suas particularidades, seja na fonte de previsão legal, seja no objeto que visam tutelar.
A famosa compra de votos,
espécie do gênero abuso do poder econômico, está prevista no art. 41-A da Lei
nº 9.504/1997 e busca reprimir
[...] doação,
oferecimento, promessa, ou entrega, ao eleitor, pelo candidato, com o fim de
obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive
emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da
eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufirs, e cassação
do registro ou do diploma.
Na captação ilícita de
sufrágio, ou compra de votos, o beneficiário da ação do candidato deve ser,
necessariamente, o eleitor, caso contrário, não haverá perigo ou ameaça ao bem
jurídico tutelado, que é a liberdade de voto, não se configurando, portanto, o
ilícito. Do mesmo modo, a compra de votos só se torna juridicamente relevante
no curso do processo eleitoral, devendo ser realizada por aquele que já é
candidato, o que só se verifica entre a data do pedido de registro de
candidatura (5 de julho) e as eleições.
Nesse
sentido, por visar à proteção do voto do cidadão, entendeu o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) que “o disposto no artigo 41-A da Lei nº 9.504/1997 não apanha
acordo, ainda que a envolver pecúnia, para certo candidato formalizar
desistência da disputa” (AgR-REspe nº 54178/AL, rel. Min. Marco Aurélio, DJE de 30.11.2012). Ou seja, a compra de
apoio político de candidato concorrente não constitui captação ilícita de voto,
ainda que implique a desistência da candidatura.
Cabe ressaltar também que,
para a caracterização de compra de voto, o bem ou a vantagem oferecida pelo
candidato deve ser pessoal, mesmo que a oferta seja pública ou coletiva.
Deve referir-se a
prestação situada na esfera privada do eleitor, de sorte a carrear-lhe
benefício individual. Mas a exegese dessa cláusula é algo alargada, podendo o
proveito ou a dádiva ser endereçado à pessoa ligada ao eleitor. Assim, por
exemplo, se o candidato fizer promessa – em troca de voto – de fornecer
material de construção a parente ou familiar de alguém, estará configurada a
situação fática prevista no artigo 41-A da LE, O benefício aí é indireto2.
O abuso do poder
econômico, por outro lado, está previsto na Constituição, em seu art. 14, § 9º:
[...] lei complementar
estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim
de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato
considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das
eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de
função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
Há, ainda, a sua previsão
na chamada ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), fundamentada na Lei
de Inelegibilidades (LC nº 64/1990), cujo art. 22 dispõe que
[...] qualquer partido
político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá
representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional,
relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura
de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder
econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou
meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político
[...].
O abuso do poder
econômico, ao contrário da captação ilícita de sufrágio, é conceito
indeterminado, que, na realidade, pode assumir contornos diversos, a depender
do caso concreto. Desse modo, apenas as peculiaridades examinadas na situação
real permitirão ao julgador afirmar se está diante da prática de abuso ou não.
Adriano
Soares da Costa procura defini-lo como a “vantagem dada a uma coletividade de
eleitores, indeterminada ou determinável, beneficiando-os pessoalmente ou não,
com a finalidade de obter-lhe o voto”3.
No mesmo sentido, o TSE
assentou que a sua configuração ocorre quando
[...] o candidato
despender de “[...] recursos patrimoniais, públicos ou privados, dos quais
detém o controle ou a gestão em contexto revelador de desbordamento ou excesso
no emprego desses recursos em seu favorecimento eleitoral”. (RO nº 2346/SC,
rel. Min. Felix Fischer, DJE de 18.9.2009).
Entre os diversos exemplos
do conceito elástico de abuso do poder econômico, podemos citar o fornecimento
de material de construção, a oferta de tratamento de saúde, o uso indevido dos
meios de comunicação social, a distribuição de cestas básicas, todos voltados
para o benefício de candidatura.
A condenação pela prática
de abuso do poder econômico, diferentemente da captação ilícita de sufrágio,
acarreta inelegibilidade, além de cassação do registro ou diploma, e não há
previsão de multa.
Quanto ao objeto
protegido, há ainda uma substancial diferenciação. Na compra de votos, busca-se
proteger a liberdade de voto do eleitor, ao passo que, no abuso de poder, o bem
tutelado é a legitimidade das eleições. Assim, no último caso, ainda que não
haja a anuência do candidato na prática do ilícito, estará sujeito à perda do mandato,
não gerando, todavia, inelegibilidade, ante a sua natureza personalíssima. Isso
não se verifica na prática do ilícito do art. 41-A da Lei das Eleições, cuja
configuração deriva da participação ou, ao menos, da anuência do candidato.
Por
fim, cabe ressaltar que, para a caracterização do abuso do poder econômico,
exigia-se, antes da edição da Lei da Ficha Limpa, a aptidão da conduta para,
ainda que potencialmente, comprometer a lisura das eleições. Era a chamada
“potencialidade lesiva”, expressamente afastada pela norma atual, a qual
estabelece como suficiente, para a configuração da prática abusiva, a gravidade
das circunstâncias que a caracterizam, conforme a nova redação do art. 22, XVI,
da LC nº 64/19904.
Por
sua vez, a captação ilícita de sufrágio, que deve ser fundada em provas
robustas e incontestes, de acordo com entendimento jurisprudencial do TSE5, dispensa exame da gravidade da conduta ou mesmo da
sua repercussão no resultado das eleições, bastando, para a cassação do
mandato, que haja a compra de um único voto.
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