VIA BLOG DO VELOSO SANTOS
Diego Alves/ Gazeta do Povo
O jornal Gazeta do Povo
estampa informação de que centenas de policiais civis do Paraná estão atuando
há anos nas delegacias do estado sem o mínimo treinamento exigido para a
atividade. Eles foram nomeados para a função, mas não concluíram o curso de
formação na Escola Superior da Polícia Civil (ESPC). Oficialmente, esses
agentes poderiam apenas fazer serviços administrativos, dentro dos distritos.
Mas, na prática, participam de operações e investigações.
Segundo a Polícia Civil, 429
policiais nomeados após 2011 não concluíram integralmente o treinamento – o
equivalente a 10% do efetivo da corporação. Outros 521 agentes recém-chamados
pelo governo nem sequer têm previsão de quando vão começar o curso. Juntos, os
que ainda não concluíram a formação correspondem a um quinto do corpo da
instituição.
Enxugamento
Formação padrão da corporação
também deve ser encurtada
O Sindicato dos Investigadores
do Paraná (Sipol) informou que a Polícia Civil também deve encurtar a duração
do curso de formação dos policiais. Os módulos passariam a somar 278 horas-aula
e seriam complementados com aulas não presenciais (on-line). De acordo com a
matriz curricular da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), a carga
mínima indicada é se 600 horas-aula.
Crítica
“Daqui a pouco, vão querer
fazer curso por telepatia. Da forma como os cursos vêm sendo feitos, à
conta-gotas, não funciona”, disse o presidente do Sipol, Roberto Ramires.
O último curso realizado
integralmente foi concluído em 2010. Na ocasião, os módulos somaram 880
horas-aula, que se estenderam ao longo de cinco meses e meio, de acordo com o
sindicato. Desde então, os policiais nomeados participaram apenas de alguns
módulos.
Na última semana, a Gazeta do
Povo mostrou que a Polícia Civil enxugou a formação de delegados. Com a redução
da carga – de 800 para 278 horas-aula – o Paraná passou a ter um dos cursos
mais curtos do país. A corporação argumenta que a grade estava defasada e
precisava de modernização.
Promessa
Profissionais devem concluir
curso em 12 meses
A Polícia Civil espera ter
formado os 950 policiais sem treinamento dentro de 12 meses. A corporação
informou que está definindo o calendário dos novos cursos e atribuiu o atraso
ao “volume de contratações” feito para “suprir um déficit histórico que havia
de policiais no Paraná”. “A ESPC está realizando cursos de formação de forma
ininterrupta, buscando oferecer um treinamento completo a todos os policiais,
da forma mais célere possível”, diz a instituição.
A corporação ressalta que os
policiais que concluíram os módulos de uso legal de arma de fogo e de operação
policial “estão habilitados a exercerem as funções de investigação propriamente
ditas”. Somente após a conclusão integral do curso é que a Polícia Civil
concede uma arma da instituição ao agente.
“Voluntários”
A falta de formação dos
policiais expõe não só a precarização da preparação dos policiais, mas também a
realidade dos delegados que lecionam na Escola Superior da Polícia Civil
(ESPC). Os professores trabalham sem qualquer remuneração. “Vou por amor à
minha instituição. Estamos dando aula de graça. Trabalho voluntário para o
Estado. É mole?”, disse um delegado, professor da ESPC. Apesar de lecionarem
aos novos policiais, os delegados dizem que continuam com suas atribuições
normais, nos distritos e delegacias especializadas. “Eu tenho que dar aula, mas
continuo dando conta do mesmo número de inquéritos. Não ganho nem um suporte”,
reclamou outro delegado.
“Estamos trabalhando para
fornecer formação completa a esses policiais o mais rápido possível, dentro das
nossas condições”, garantiu o diretor da ESPC, delegado Luiz Fernando Artigas
Júnior.
Módulos
Em regra, a formação está sendo
feita aos poucos. Os novos policiais, na maioria dos casos, passam apenas pelos
módulos de tiro e operação policial. Com isso, se habilitam a portar arma de
fogo, recebem a carteira funcional e vão para as delegacias.
Lá, deveriam passar por uma
espécie de estágio. Entretanto, acabam absorvidos pela rotina dos distritos.
Sindicatos, policiais e delegados ouvidos pela Gazeta do Povo revelam que os
agentes sem treinamento atuam como um policial formado: vão às ruas, fazem
investigações, entram na escala de plantão. Alguns chegam a participar de
operações que terminam com trocas de tiros com suspeitos.
“Eu só concluí o ‘miojão’
[jargão usado para designar os módulos de tiro e abordagem, em alusão à curta
duração dos cursos]. Na delegacia, sou um ‘tira’ comum. Puxo plantão, vou pra
rua. Só pedem pra eu evitar confronto [troca de tiros]”, contou um policial,
que ingressou na corporação no fim de 2011.
Responsáveis pelos distritos,
os delegados revelam sofrer pressão para aproveitar os policiais sem
treinamento. “A ordem oficial é que eles [os policiais] não poderiam realizar
trabalhos externos, mas a ordem extraoficial é que eles devem, sim, trabalhar.
São computados como sendo servidores em exercício pleno, para todos os fins,
inclusive para cobrar mais serviço das chefias pela alta cúpula [da Polícia
Civil]”, disse um delegado da região de Curitiba.
Precarização
O Sindicato dos Investigadores
do Paraná (Sipol) e o Sindicato das Classes Policiais Civis do Paraná
(Sinclapol) dizem ter encaminhado ofícios ao governo do estado e à Polícia
Civil, informando da situação irregular dos policiais sem treinamento. “Mandar
um investigador sem formação para uma delegacia é precarizar a segurança
pública”, disse o presidente do Sipol, Roberto Ramirez. “É uma situação
completamente irregular”, definiu o presidente do Sinclapol, André Gutierrez.
Despreparo já resultou em
tiroteio com morte
Além de não estarem preparados
para a execução de trabalhos especializados – como o de investigação –, os
agentes sem formação completa podem se ver envolvidos em situações com as quais
não estão preparados para lidar. E, pelas particularidades do trabalho
policial, as situações de risco não são raras. No dia 11 de maio, por exemplo,
uma rebelião ocorrida na delegacia de Colombo terminou com a morte de um
agente. O tiro teria sido disparado pelo investigador Diego Eleser Almeida, que
não havia concluído o curso preparatório. Durante o motim, ele foi baleado de
raspão.
“Segundo os informes, ele
[Diego Almeida] estaria portando uma arma própria. Mas ele não poderia nem
sequer estar na escala de plantão”, confirmou o presidente do Sindicato dos
Investigadores do Paraná (Sipol), Roberto Ramirez. “Ele não foi treinado para
lidar com aquela situação. O investigador foi uma vítima da precarização. O
problema é que só se fala em treinamento quando acontece uma situação como
essa”, completou.
Aprender fazendo
Um investigador ouvido pela
reportagem diz que ficou por quase um ano apenas cuidando de presos da
delegacia para onde ele foi destinado. “Me desmotivei total. Você entra
querendo somar e te colocam pra ser carcereiro”, desabafou. Outro policial
conta que, mesmo sem curso, foi colocado na linha de frente do distrito. “Como
não tinha gente, eu tive que ir para a investigação. Aprendi fazendo,
observando os colegas”, disse. Gazeta
do Povo
Nenhum comentário:
Postar um comentário